terça-feira, 2 de outubro de 2007

Cientistas da Embrapa estão fazendo o cerrado brasileiro prosperar, diz NYT

Lalo de Almeida/The New York Times
Lalo

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02/10/2007

Cientistas estão fazendo o cerrado brasileiro prosperar

Larry Rohter
Em Planaltina, Brasil


Qualquer um curioso em saber como o Brasil se tornou o que o ex-secretário de Estado, Colin L. Powell, chama de "superpotência agrícola" -prestes a superar os Estados Unidos como maior exportador mundial de alimentos- poderia muito bem começar por aqui, nesta rede atarefada de laboratórios do governo.

Os amplos laboratórios e campos experimentais são operados pela Embrapa, o órgão de pesquisa agropecuária do Brasil, e se tornaram uma parada obrigatória para qualquer líder do Terceiro Mundo em visita ao país.

Apesar de pouco conhecida na América do Norte, em três décadas a Embrapa se tornou uma líder mundial na pesquisa da agricultura tropical e está atuando agressivamente em áreas como biotecnologia e bioenergia.

Lalo de Almeida/The New York Times
Instrutor ensina aluno a coletar sementes em árvore em área no campus da Embrapa

"A Embrapa é um modelo, não apenas para o chamado mundo em desenvolvimento, mas para todos os países", disse Mark Cackler, gerente e diretor em exercício do Departamento de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Banco Mundial. "Um motivo chave para o Brasil ter se saído tão bem com sua economia agrícola é por ter investido de forma inteligente e em peso em pesquisa agrícola de ponta, e a Embrapa está à frente em tal esforço."

A Embrapa deve muito de sua reputação ao seu trabalho pioneiro aqui no cerrado, que se estende por mais de 1.600 quilômetros pela região central do Brasil. Descartada como inútil por séculos, a região foi transformada em menos de uma geração no cinturão de grãos do país, graças à descoberta de que os solos poderiam ser transformados em férteis com a adubação com fósforo e potássio, cuja mistura certa foi estabelecida pelos cientistas da Embrapa.

Quando o Prêmio Mundial da Alimentação anual foi concedido no ano passado a dois brasileiros afiliados à Embrapa, a menção apontou para a transformação do cerrado como sendo "um dos maiores feitos da ciência agrícola no século 20".

A Embrapa também promoveu a principal cultura da região ao desenvolver mais de 40 variedades tropicais de soja, que antes era considerada apenas uma cultura de zona temperada.

"Quando eu trabalhei na Índia, Paquistão e nos países do Oriente Próximo nos anos 60 e 70, ninguém pensava que aqueles solos algum dia seriam produtivos", disse Norman Borlaug, um agrônomo americano que conquistou o Prêmio Nobel da Paz pelo trabalho que lhe rendeu o título de "pai da Revolução Verde", em uma entrevista por telefone de Iowa. "Mas a Embrapa foi capaz de montar todas as peças."

Como resultado, o Brasil atualmente é o maior exportador mundial de soja e carne bovina, assim como está crescendo na exportação de algodão, três quartos dele produzido aqui no cerrado. Encorajados por tal sucesso, os cientistas da Embrapa voltaram sua atenção para o trigo. O Brasil atualmente importa grande parte de seu trigo de países vizinhos com clima temperado.

"Nós acreditamos que o potencial é enorme", disse Roberto Teixeira Alves, diretor geral do centro de pesquisa no cerrado da Embrapa. "Nós lançamos duas novas variedades de trigo com bom rendimento no ano passado, e acreditamos que também há forte possibilidade de adaptar cevada à região."

O laboratório da Embrapa em Manaus, no coração da Amazônia, também está estudando formas de tornar o seqüestro de carbono mais eficiente. Os cientistas estão examinando os chamados "solos escuros" da Amazônia, pequenas ilhas férteis criadas pelas tribos indígenas pré-colombianas e que apresentam concentrações particularmente altas de fósforo.

"Nós não sabemos por que são assim, mas estamos tentando entender e reproduzir tal fenômeno para que possamos nos beneficiar agora", disse Wenceslau Teixeira, um especialista em manejo do solo que está encarregado do esforço. "Estas ilhas apresentam níveis particularmente estáveis de carbono, que ajuda a reter os nutrientes e é tanto útil quanto difícil de encontrar em solos tropicais."

E apesar do programa de etanol de cana-de-açúcar estar em grande parte concentrado em outras regiões, a Embrapa conta com uma divisão de agroenergia que se concentra em formas de produzir biodiesel. Os cientistas da Embrapa identificaram cerca de 30 plantas que poderiam ser usadas em tais programas e estão concentrados no óleo de dendê.

"A composição do óleo de dendê é uma das melhores para produção de biocombustíveis", disse Maria do Rosário Lobato Rodrigues, a diretora do laboratório de Manaus, onde está concentrada a pesquisa. "Ele tem alta capacidade de fixar carbono, não exige o uso de produtos químicos para ser produzido e nenhuma parte da planta é desperdiçada."

Segundo a recém ampliada definição de agricultura pela Embrapa, nada parece fora dos limites, de porcos tropicais com menor gordura e colesterol que os porcos americanos e com maior produção de lombo e pernil, à extração de biopolímeros de aranhas. Na sala de jantar da Embrapa em Brasília, há até mesmo tapetes feitos de variedades de fibras naturais de algodão, que, por serem cultivadas em tons de verde e marrom, poderiam reduzir os custos de tingimento para os produtores têxteis.

Obter financiamento adequado é sempre um problema para qualquer instituição pública de pesquisa no Brasil. Há dois anos, entretanto, o Congresso brasileiro aprovou uma lei que permite que a Embrapa possa lucrar com sua pesquisa e expande a capacidade do órgão de realizar joint ventures.

"Ser empreendedores é algo novo para nós, mas precisamos transformar nosso conhecimento em riqueza", disse Sílvio Crestana, o diretor-presidente da Embrapa e um especialista em física do solo, em uma entrevista em Brasília. Além dos royalties, ele disse, a agência quer atrair capital de risco.

Inicialmente, a maioria de tais acordos era com empresas brasileiras. Mas a Embrapa e a Basf, a indústria química alemã, recentemente anunciaram uma parceria para desenvolvimento e comercialização de uma soja geneticamente modificada, resistente à herbicida, que deverá estar no mercado até 2012 e competirá com a marca Roundup Ready da Monsanto.

Com o apoio de empréstimos multilaterais e agências de desenvolvimento como o Banco Mundial, a Embrapa também está tentando elevar seu perfil no exterior. Apesar da há muito contar com programas de intercâmbio que trouxeram cientistas da América Latina, África e Ásia para trabalharem em seus laboratórios, a Embrapa apenas recentemente abriu seu primeiro escritório no exterior, em Gana, sede do Fórum de Pesquisa Agropecuária da África.

"Isto é bom e uma medida potencialmente importante, porque há muitos lugares na África, como a Zâmbia, que possuem savanas com condições de solo e chuvas semelhantes às do cerrado brasileiro", disse Borlaug. "Eu acho que soja e milho, juntamente com a produção de carne bovina e pastos melhorados, seriam coisas adequadas a serem transferidas do Brasil."

Como a fabricante brasileira de aviões Embraer, que encontrou um nicho lucrativo vendendo jatos regionais, a Embrapa parece disposta a se concentrar na venda do know-how que desenvolveu em plantações e produtos freqüentemente ignorados por instituições de pesquisa dos países industrializados do Hemisfério Norte.

"O Brasil tem a vantagem comparativa de sua própria experiência, que é muito relevante em um contexto tropical", disse Cackler. "Para pegar um exemplo, quantas universidades americanas dedicariam tanto esforço à mandioca? Não é uma prioridade para elas. Mas a sobrevivência de dezenas de milhões de pessoas depende diariamente da mandioca, de forma que nós do Banco Mundial estamos contentes com o fato do Brasil estar disposto a desenvolver e transferir tal tecnologia."

Tradução: George El Khouri Andolfato
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2007/10/02/ult574u7845.jhtm

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