13/10/2008
Por Thiago Romero
Agência FAPESP – Partindo do princípio de que são escassas as formas de controle efetivo de mosquitos, cada vez mais resistentes aos inseticidas comerciais, o pesquisador André Wilke, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), adaptou um método para o controle desses insetos.
A metodologia se caracteriza pela produção de exemplares geneticamente modificados para liberação em regiões infestadas por Culex quinquefasciatus (também conhecido popularmente como pernilongo ou muriçoca), a fim de controlar sua população. O mosquito é considerado uma praga urbana por ser capaz de se desenvolver em águas poluídas e atingir elevada densidade.
No trabalho, descrito na dissertação de mestrado Controle genético de mosquitos Culex quinquefasciatus, que acaba de ser defendida na FSP, com apoio da FAPESP na modalidade Bolsa de Mestrado, o pesquisador adaptou procedimentos da técnica de Liberação de Insetos Carregando Gene Letal Dominante (RIDL, na sigla em inglês), que utiliza microinjeções de genes em embriões de mosquitos. A técnica consiste na produção de insetos com um gene letal.
“Trabalhamos com a inserção de um gene letal sob o comando de um promotor específico de fêmea para levar o mosquito à morte no momento desejado”, disse Wilke à Agência FAPESP.
“Isso significa que, ao integrarmos esse gene letal ao genoma do mosquito, os machos transgênicos podem ser liberados na natureza para cruzar com fêmeas selvagens, resultando em uma progênie [conjunto de descendentes] apenas de machos, uma vez que o gene letal é expresso nas fêmeas”, explicou.
O efeito nos machos, que cruzam com fêmeas selvagens para gerar outros machos, dura por até três gerações, causando o declínio no número de indivíduos e, posteriormente, suprimindo a população. “O conceito é que, ao utilizar um mosquito geneticamente modificado carregando um gene letal dominante, podemos controlar efetivamente sua população por supressão”, disse.
O pesquisador explica que as fêmeas do Culex quinquefasciatus cruzam apenas uma vez durante a vida, estocando o esperma do macho para fecundações posteriores. “A técnica tem diversas vantagens. Diferente dos inseticidas que são tóxicos ao meio ambiente, os mosquitos liberados não prejudicam outros animais que venham a comê-los, já que são considerados espécie específica e atingem somente a população de Culex, além de não deixar nenhum tipo de resíduo no meio ambiente”, afirma Wilke.
De acordo com o pesquisador, é possível manter a linhagem indefinidamente em laboratório. “Quando os mosquitos precisarem ser liberados, basta prepararmos um lote de machos para cruzar com fêmeas selvagens. Os machos não picam o homem e, portanto, também não transmitem patógenos [agente biológico causador de doenças]”, disse.
Vetor de doenças
A espécie Culex quinquefasciatus tem importância vetorial na transmissão de parasitas e arboviroses (viroses transmitidas por artrópodes). “Ela tem a capacidade de sobreviver em águas altamente poluídas, como as do rio Pinheiros, em São Paulo, onde geralmente não existem predadores naturais. Isso acarreta um desequilíbrio ecológico e enorme número de indivíduos. Os rios poluídos propiciam hábitats sem competição para o mosquito”, explicou.
Além do inerente incômodo das picadas, o Culex quinquefasciatus tem capacidade vetorial para diversos arbovírus, entre os quais os agentes de encefalites, inflamações agudas do cérebro, sendo também vetor de parasitas causadores de filariose, doença também conhecida como elefantíase, causada por vermes que parasitam os vasos linfáticos do homem.
Wilke lembra, no entanto, que para a prevenção de doenças transmitidas por outros vetores, como por exemplo o Aedes aegypti, causador da dengue, a técnica precisaria ser modificada. “Utilizamos a técnica RIDL para uso exclusivo da espécie Culex quinquefasciatus. Não há maneiras de controlar o Aedes utilizando o Culex pelo simples fato de eles serem espécies distintas e não cruzarem”, observou.
A técnica RIDL foi desenvolvida por laboratórios da Universidade de Oxford, na Inglaterra, sendo um deles liderado pelo professor Luke Alphey, da Oxford Insect Technologies. Para Wilke, as aplicações práticas para o controle de vetores utilizando a RIDL são inúmeras, o que a torna uma importante ferramenta para esse tipo de manejo.
“A RIDL é específica para a espécie alvo, não polui o meio ambiente e não contamina o homem ou animais. Porém o ideal é que outras medidas de controle sejam feitas em conjunto, como a despoluição dos rios e a educação da população”, explicou.
O trabalho de mestrado de Wilke é parte de um projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP no âmbito do programa Apoio a Jovens Pesquisadores, coordenado pelo professor Mauro Toledo Marrelli, do Departamento de Epidemiologia da FSP, orientador de Wilke.
“Nosso trabalho mostra que essa técnica apresenta um enorme potencial de controle e manejo de vetores nas grandes cidades. A RIDL é uma ferramenta extremamente útil em saúde pública. Uma vez controlado o vetor de um patógeno como o Culex quinquefasciatus, o número de infecções e o incômodo causado por esses mosquitos diminuem”, disse Wilke.
O estudo contou com a colaboração do professor Luke Alphey, que fornece material genético semelhante aos utilizados com sucesso em Oxford durante pesquisas com o Aedes aegypti, além do apoio do grupo de pesquisa de Margareth Capurro, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, onde são feitas as microinjeções e o manejo do insetário para a obtenção do mosquito transgênico.
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